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A contra-revolução que foi longe demais


25 de abril de 2010

A poeira do muro derrubado em 89 vai baixando lentamente, podemos então começar a distinguir algumas correntes do  pensamento marxista em meio aos escombros da crise política desencadeada pelos acontecimentos na  antiga União Soviética e leste europeu.

As interpretações do processo são as mais variadas, não é nossa intenção nos deter sobre elas, mas buscando entender os novos posicionamentos que surgem na vanguarda militante temos que discutir o significado do que desencadeou tanta polêmica e novas elaborações.

A contra-revolução  consumada no final dos anos vinte na União Soviética pela burocracia stalinista, resultou em seis décadas de opressão. Ao se apropriar das vantagens da planificação econômica, que tirou do atraso secular o povo russo, essa burocracia conseguiu estabilizar o seu regime político, apoiada ainda num sistema repressivo brutal  contra qualquer tentativa de organização operária independente ou oposição política.

As conseqüências para o proletariado soviético de um período tão longo de dominação burocrática  não poderiam ser mais nefastas. Foram duas gerações cultivadas no mais completo obscurantismo político e ideológico, na total ausência de iniciativa e organização política independente. A contra-revolução só se sentiria segura quando aniquilasse a consciência revolucionária e de classe do proletariado russo.

DERROTA NA VITÓRIA

Por mais que tenha se estendido ao longo do tempo, ( em parte também devido a heróica resistência e posterior vitória do povo soviético contra o nazismo que trouxeram enorme prestígio para o PC) o regime da burocracia contra-revolucionária só poderia ser transitório, sua vitória final também seria sua derrota, seu desaparecimento enquanto intermediário do capitalismo. A ausência de uma alternativa revolucionária frente a derrocada desse regime obscurantista só pode ser compreendida dessa forma: como um proletariado derrotado, desorganizado, poderia ser o dirigente político das mobilizações anti-burocráticas  levantando o programa da revolução socialista? Seria um verdadeiro milagre.

Um aspecto ainda mais grave dos acontecimentos soviéticos, é que a contra-revolução estendeu sua influência ao movimento revolucionário no mundo. Primeiro nos partidos comunistas que permaneceram atrelados a III Internacional, e mesmo as organizações marxistas que buscavam se contrapor ao stalinismo não escaparam da influência dos novos métodos dos vitoriosos.

Foi assim que o centralismo democrático, ferramenta das mais potentes para levar adiante o combate da classe trabalhadora contra o imperialismo, foi transformado em centralismo burocrático, em mandonismo, em cupulismo, em dirigismo e etc. O partido revolucionário, entidade de libertação dos trabalhadores, dos subalternos, a verdadeira universidade operária, exercício de democracia mais autêntica, construído na estratégia de fomentar o fim da diferença entre dirigentes e dirigidos, se transforma em aparato, em superestrutura política, onde a divisão de tarefas se consolida entre os guias geniais, e os simples executores. Muito distante do partido sonhado por Gramsci, que assim o definia em um artigo do L´Ordine Nuovo de 1920, “O Partido Comunista é o instrumento e a forma histórica do processo de íntima libertação pela qual o operário passa de executor a iniciador, passa de massa a dirigente e guia, passa de braço a cérebro e vontade; na formação do Partido Comunista pode-se colher o germe de liberdade que terá o seu desenvolvimento e a sua plena expansão quando o Estado Operário tiver organizado as condições materiais necessárias.”

UM RESGATE NECESSÁRIO

Se tomamos essas mudanças no movimento marxista mundial, como resultado histórico da vitória da contra-revolução, concluímos que o resgate do Partido e do seu método, o centralismo democrático,  são decisivos para recolocar o proletariado no centro da luta mundial contra o capitalismo. Mais ainda, considerando o atual estágio de centralizaçao e militarização do imperialismo, e a crescente degeneração capitalista com a violenta exclusão social, podemos prever um endurecimento cada vez maior dos embates, e a necessidade de uma verdadeira disciplina fundada na relação de confiança entre revolucionários. Os que imaginam arranhar o poder do capital com manifestações que atrasam em algumas horas encontros de organismos financeiros internacionais, são coerentes ao defender “organizações horizontais”, e que “a força do movimento  independe de quem esteja em sua direção”.

Não se pode falar de socialismo, de revolução e luta de classes, sem discutir organização a sério. Não temos nenhuma pretensão a descobridores ou inventores de novas teorias,  o marxismo-leninismo nos legou um arsenal suficiente, como seus discípulos nos cabe desenvolve-lo e impulsiona-lo. Em “Um Passo  em Frente, Dois Passos Atrás”, Lenin apontou os elementos fundamentais da organização que seria a dirigente do processo revolucionário de 1917 na Rússia. Esclarece confusões que vêm a tona hoje em dia, com a roupagem moderna das relações horizontais com a classe, quando definia que “Se considerarmos membros do partido apenas os aderentes às organizações que reconhecemos como organizações do partido, então as pessoas que não possam entrar diretamente em nenhuma organização do partido podem, no entanto, militar numa organização que não seja do partido, mas que esteja em contato com ele. Por conseqüência, não se trata de modo algum de deitar pela borda fora ninguém, isto é, afastar do trabalho, da participação no movimento. Pelo contrário, quanto mais fortes forem as nossas organizações do partido, englobando verdadeiros comunistas, quanto menos hesitação e instabilidade houver no interior do partido, mais larga, mais variada, mais rica e mais fecunda será a influência do partido sobre os elementos das massas operárias que o rodeiam e por ele são dirigidos. Com efeito, não se pode confundir o partido, como destacamento de vanguarda da classe operária, com toda a classe.”

O movimento extremamente progressivo  de negação das práticas espúrias do stalinismo e da influência que exerceu no movimento operário, não pode nos levar ao exagero ou ao invencionismo, mesmo porque os acontecimentos de 89 na antiga União Soviética demonstraram de forma cabal a falência do modelo fundado pela contra-revolução, parteira da restauração capitalista em curso, abrindo um novo tempo para o movimento operário, um tempo de reafirmação de nossos princípios, confirmados pelo passado e pelo presente.

Ney – militante do Coletivo Bandeira Vermelha – Rio de Janeiro, 03/07/2000.