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Dilma governará para quem?


17 de novembro de 2010

Dilma Governará Para Quem?

O crescimento econômico da ordem de 7% em pleno ano de eleições, os programas sociais principalmente no Norte e Nordeste, as descobertas do Pré- Sal e a promessa de desenvolvimento do país foram, sem dúvida, os fatores estruturais mais importantes para a vitória petista.

A combinação desses fatores com uma imensa propaganda ideológica transmitiram a idéia de um país que estaria no caminho certo para se tornar uma potência mundial e reduzir os gravíssimos problemas sociais.

Por outro lado, Serra e o PSDB/DEM, desde o início tiveram dificuldade em emplacar um projeto próprio, alternativo ao do PT. Isso porque em seus oito anos de governo, o PT na verdade assumiu o programa do PSDB e, nos aspectos essenciais, deu continuidade ao governo FHC. As diferenças foram na forma, nos ritmos e no peso um pouco maior ou menor do estado na economia.

Por isso, também na campanha havia muito mais semelhanças do que diferenças entre os dois candidatos. Claro que essa identidade maior entre os dois blocos em disputa ajudava muito mais o PT/PMDB, que já estava no governo, e então o PSDB teve que buscar a diferenciação de alguma forma. Ao não poder se inclinar para a esquerda, sua saída foi buscar apoio mais à direita.

Campanhas difamatórias em torno da manutenção da criminalização do aborto, de menosprezo pela população pobre, de ligação de Dilma com a luta armada, etc, feitas pela Internet ou por panfletos, e a farsa montada no episódio da bolinha de papel tiveram o efeito de acirrar uma polarização. Os trabalhadores, que já viam Serra com enorme desconfiança, reagiram inclinando-se definitivamente por Dilma. Sem um projeto alternativo, identificado com as privatizações diretas, com os cortes sociais, com a truculência junto aos movimentos sociais e por último com os setores mais de direita, o PSDB foi derrotado.

Também é verdade que a pressão sobre o PT já a partir do final do 1º turno fez com que esse partido se comprometesse ainda mais com o programa da direita. Dilma não hesitou em dizer que manterá a legislação que criminaliza o aborto, ao invés de tratá-lo como um problema social e questão de saúde pública.

Mais do que manter a política econômica geral herdada, Dilma também prometeu ir além realizando as Reformas e ajustes que o capital necessita para seguir operando no Brasil a taxas altas de lucro.

Desde o início da campanha, um setor importante da burguesia já mostrava sua preferência por Dilma. Segundo os dados mais recentes de declaração das campanhas (06/09/2010), a campanha de Dilma havia arrecadado R$ 39,5 milhões enquanto a de Serra, R$ 26 milhões (http://eleicoes.uol.com.br).

Ao obter mais compromissos do PT, a maior parte da burguesia amenizou o tom nos últimos dias, entendendo que a forma de governo do PT ainda é muito proveitosa para o capital, apesar das críticas aos gastos de estado e com a burocracia. O fato de o PT representar uma burocracia sindical e política que gerencia fundos de pensões e estatais dá a esse partido a condição de atuar como administrador dos interesses do capital de conjunto no Brasil, arbitrando entre as várias frações da burguesia e entre a burguesia e a classe trabalhadora. Essa característica própria das burocracias é fundamental, principalmente quando se trata de gerenciar crises e retiradas de direitos dos trabalhadores.

Por isso, a burguesia ainda não teve a necessidade de descartar o PT como gestor do estado, mas deixou claro quem são os donos do capital e para quem o PT deve prestar contas. Como parte do Bloco PT/PMDB, a eleição pelo PSB de 6 governadores, 35 deputados federais e 4 senadores demonstra que a burguesia trabalha outras possibilidades futuras para o caso de o governo Dilma não der conta de segurar o movimento social.

Contradições na economia se acumulam…

A situação de crescimento econômico no Brasil, em contraste com a manutenção da recessão ou lento crescimento nos países centrais, passou a (falsa) idéia de que o PT e Lula possuem características quase mágicas para administrar e combater a crise. Mas isso não é verdade. Na base desse crescimento atual combinam-se fatores problemáticos como a precarização e informalização do trabalho, a desoneração de impostos dos empresários, o aumento espantoso do endividamento das famílias e do estado.

Como expressão disso, o volume total de crédito deve atingir 48,5% do PIB ao final do ano – um crescimento de 20% em comparação a 2009. O volume total de crédito ultrapassou R$ 1,5 trilhão no primeiro semestre.

Dados da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) apontam que o montante das operações de crédito imobiliário contratado no primeiro quadrimestre de 2010 foi 74% superior em relação ao do mesmo período de 2009, e 90% maior comparado ao de 2008. (www.folha.com.br) No entanto, essa contradição entre o consumo baseado no crédito, combinado com as taxas de juros mais altas do mundo, têm levado ao aumento da Dívida Pública. A Dívida Pública reconhecida oficialmente chegará a R$ 1,73 trilhão em 2010. Porém, alguns economistas afirmam que, se somarmos a parte da Dívida encoberta por manobras contábeis, o endividamento bruto do governo chega a R$ 2,05 trilhões! Apenas em 2010, foram pagos R$ 160 bilhões de juros dessa Dívida: quase 14 vezes mais do que o consumido pelo Bolsa Família, que atende a mais de 11 milhões de famílias. (www.correiobraziliense.com.br).

Outro elemento a ser levado em consideração são os resultados cada vez piores da balança comercial – saldo entre exportações e importações. Com a desvalorização do dólar frente às várias moedas, inclusive ao real, devido à gigantesca emissão de dólares pelos EUA, desde que a crise se manifestou, os resultados das exportações brasileiras têm seguido uma curva descendente, ao contrário das importações. A patronal cobra medidas protecionistas de curto prazo e ao mesmo tempo o corte dos direitos trabalhistas, de modo que as empresas se tornem mais competitivas no mercado mundial.

O Estado a Serviço do Capital

A burguesia e o Agronegócio agora cobram seu quinhão, através da isenção de impostos sobre insumos e mercadorias, assim como empréstimos a juros baixos e prazos indefinidos. Além disso, exigem que o estado banque as chamadas obras de infraestrutura como rodovias, ferrovias e modernização dos portos, que têm como objetivo baratear a produção e o movimento das mercadorias.

Resumindo, o capital de conjunto quer que o estado assuma diretamente parte de seus custos de produção, de modo a maximizar seus lucros.

Além disso, o capital exige a liberação para a exploração das grandes áreas florestais antes preservadas. Ao serem alvos da exploração pelas monoculturas, essas áreas irão simplesmente desaparecer ao som das motosserras, sem que haja qualquer compromisso de reflorestamento.

A declaração de Dilma em seu discurso de que vai manter todos os contratos não tem outro sentido senão o respeito total ao pagamento dos Juros da Dívida Pública aos agiotas internacionais.

Ao defender acima de tudo os interesses do capital, que atravessa uma crise em nível mundial e precisa da intervenção direta do estado para sua sobrevivência, o governo Dilma será já em seu início um governo de ataques aos trabalhadores, um governo certamente mais duro do que o governo Lula em seus dois últimos anos.

Por outro lado, por mais que o PSDB tenha saído derrotado da disputa nacional, terá o governo dos estados mais importantes do país, que produzem 53% do PIB. Assim, teremos provavelmente uma divisão de tarefas entre esses dois blocos políticos. Por mais que se acusem, estados e União aplicarão em sintonia a mesma política de uso da máquina pública em prol dos interesses do capital e contra os trabalhadores. A ordem geral será cortar gastos dos serviços públicos e, em particular, aumentar a pressão e os ataques sobre os servidores públicos. Ao mesmo tempo, haverá a cobrança de que os serviços públicos atendam mais e melhor devido à necessidade de que essa esfera assuma responsabilidades e atribuições que as famílias e outras instituições não estão mais tendo condições de assumir. Aumentará o ritmo de trabalho, bem como as cobranças de resultados – batizadas pelo nome de meritocracia – no serviço público, que foram compromissos firmados pela presidenta em seu discurso logo após se saber eleita.

Assim, por mais que os trabalhadores nesse momento sintam um certo alívio pela derrota de Serra e do PSDB, chamamos a atenção para o fato de que o governo de Dilma será um governo burguês clássico, nem sequer um governo de frente popular do qual se possa esperar qualquer concessão importante para os trabalhadores.

A Agenda das Contra-Reformas no Horizonte

Dentro desse quadro, os trabalhadores devem se preparar para enfrentar ao longo do mandato de Dilma um conjunto de reformas que não foram apresentadas nem discutidas durante a campanha presidencial – pois são extremamente antipopulares -, mas que fazem parte do projeto de ambas as candidaturas.

A primeira medida do governo ainda neste ano deve ser aprovar o modelo de partilha da exploração do Pré-Sal, em que a União ficará com 30% das receitas e as empresas privadas com 70%. Ou seja, por mais que durante a campanha Dilma tenha falado em manter o controle sobre as reservas, na prática o modelo de partilha do PT pretende entregar a riqueza do país às transnacionais, que irão remeter os lucros para suas matrizes nos países imperialistas.

Ao longo de seu mandato, o novo governo deve encaminhar as Reformas da Previdência, Tributária, Trabalhista e Política. O mais provável é que busque implementá-las aos poucos e de forma disfarçada – na intenção de evitar confrontos com os movimentos. Assim a luta contras Reformas, seus disfarces e suas justificativas ideológicas será uma tarefa fundamental para os trabalhadores e a vanguarda dos movimentos.

Quanto à Reforma da Previdência, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, comandada por Nelson Barbosa, já trabalha uma proposta a ser apresentada ao Congresso por Dilma Rousseff. (http://www.fenafisco.org.br). Não precisamos dizer que seu objetivo é dificultar a aposentadoria dos trabalhadores e diminuir os gastos do estado.

Quando Dilma fala também em desonerar um conjunto de atividades do capital, e em particular o investimento e a folha de pagamento, trata-se da Reforma Tributária já em curso. Qual o objetivo disso? Obviamente é aumentar a lucratividade das empresas, ao mesmo tempo em que o estado abre mão de arrecadar das empresas e portanto tem que aumentar a arrecadação dos trabalhadores e da classe média.

A flexibilização da legislação trabalhista pretende instaurar a “livre negociação” entre empresas e trabalhadores. Na prática, isto levará à perda de direitos na maioria dos ramos, pois com a ameaça do desemprego e a colaboração das direções sindicais pelegas, os patrões poderão impor a perda dos direitos aos trabalhadores a seu bel-prazer.

Já a Reforma Política visa acabar com o espaço já bastante minguado dos pequenos partidos de esquerda, pois pretende criar critérios impossíveis de serem cumpridos para o reconhecimento desses partidos.

Ao mesmo tempo em que se faz a apologia das eleições burguesas como sendo “a festa da democracia”, também se pretende reduzir cada vez mais o horizonte de opções políticas de questionamento e organização por parte dos trabalhadores. Por trás do clima econômico imediato de festividade, prepararam-se o agravamento das condições reais de vida dos trabalhadores e o conseqüente aumento da insatisfação social à qual o sistema pretende tratar cada vez mais com armas ideológicas e de contenção, mas também de repressão, através das escolas de tempo integral que muitas vezes viram semi-presídios dos jovens, das ocupações militares nas favelas, ou da prisão de líderes e ativistas.

Assim, aos trabalhadores cabe a preparação para enfrentarmos e resistirmos a um processo de ataque às nossas condições de vida e maior instabilidade. Mesmo que ainda demore algum tempo, os mecanismos que hoje dão sustentação à economia brasileira e ao seu crescimento – hoje festejado pelo governo, pelo empresariado e meios de comunicação – fundam-se em grande medida sobre alicerces complicados e em última instância explosivos como o endividamento desenfreado das famílias e empresas, o aumento da Dívida Pública e também a perda do mínimo de garantias do trabalhador, que passa a estar totalmente dependente das flutuações de mercado. Uma vez porém que se esgote esse fôlego, os efeitos da crise se farão novamente sentir, e com maior intensidade.

A crise de alternativas socialistas e a esquerda

O problema estrutural que os trabalhadores enfrentam é a ausência de uma alternativa socialista real que possa disputar a consciência das massas no sentido de um outro projeto de sociedade, em ruptura com a lógica do lucro. Essa é também a maior defasagem da esquerda.

As principais correntes – PSTU e PSOL – seguem presas a uma lógica imediatista de atuação, sem realizar de fato um trabalho político junto às estruturas de base, e sem fazer uma crítica profunda dos fundamentos que estão por trás das políticas do capital que agora são abertamente assumidas e implementadas pelo PT e pelas direções das centrais como a CUT e Força Sindical.

Não se faz um trabalho sistemático junto aos pólos fundamentais da classe trabalhadora que, dessa forma, fica ainda mais à mercê da propaganda e dos meios de comunicação burgueses.

Os principais partidos e organizações de esquerda sequer utilizam sua influência nos sindicatos para realizar esse trabalho de disputa política e ideológica. O sindicalismo praticado pela esquerda é marcado pelo imediatismo e pela falta de discussões mais profundas com os trabalhadores. Não se faz um trabalho de ligar os aspectos imediatos aos estruturais e de demonstrar para os trabalhadores que o problema maior é a lógica capitalista como um todo, e não apenas alguns de seus aspectos, que é essa lógica que deve ser quebrada, se quisermos realmente encontrar uma saída real e equilibrada para a situação dos trabalhadores.

Por um Movimento Político dos Trabalhadores

Outro fator de dificuldade na esquerda é a sua divisão, o fato de que as principais correntes – tanto o PSTU quanto o PSOL – colocam a disputa pela hegemonia no movimento acima das necessidades do próprio movimento. As próprias correntes acabam impedindo que se dêem os passos mais básicos no sentido da unidade, uma condição mínima, mas muito necessária para o desenvolvimento dessa consciência socialista entre as massas citadas acima.

Impossível não citar o fato de cada um dos principais partidos – PCB, PSOL e PSTU – ter deixado ruir a possibilidade de uma Frente de Esquerda dos Trabalhadores nas eleições. O mesmo se deu no CONCLAT, com a ruptura do difícil e tortuoso processo de unificação sindical que vinha se formando para a construção de uma única central de luta que reuniria a CONLUTAS e a INTERSINDICAL.

Ambos os processos foram interrompidos e inviabilizados, pois as direções de cada corrente impuseram cada qual suas condições, por fora da realidade e da vontade das bases e dos movimentos dos trabalhadores que queriam e precisavam mais do que tudo da unidade na luta para fazer frente à ofensiva do capitalismo.

Assim, mantém-se mais atual do que nunca a necessidade defendida continuamente pelo Espaço Socialista da construção de um Movimento Político dos Trabalhadores, a partir das discussões e organização na base dos movimentos, que seja uma forma de juntar os trabalhadores, organizações e ativistas, com fóruns democráticos de discussão e deliberação, no sentido de começar a corrigir a grave defasagem da alternativa socialista entre os trabalhadores e os demais explorados e oprimidos.

O governo de Dilma, no marco da crise mundial do capitalismo, irá colocar novos desafios para os trabalhadores, que só conseguirão responder à altura se desenvolverem uma alternativa prática e ideológica ao capitalismo. Para isso, será preciso não apenas novas lutas, mas também uma renovação no campo da esquerda.