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Jornal 78: Gladiadores do Altar e o temor das religiões afro-brasileiras


16 de maio de 2015

4Em 2015 a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) apresentou um novo projeto intitulado “Gladiadores do Altar”, inicialmente com a proposta de fomentar aspirantes ao trabalho pastoral e trabalhar com os projetos sociais e evangelísticos da igreja, o grupo vem gerando polêmicas nas redes sociais, entre as religiões de matriz africana e, amplamente, na sociedade.
Para compreensão do atual fenômeno religioso concebe-se que toda produção espiritual de um povo, desde a produção de ideias, suas representações e formas de consciência são necessariamente condicionadas pela produção material. Para tal, a religião deve estar inserida em seu contexto histórico e analisada para além de seu discurso, mas, sobretudo em sua prática cotidiana.
Para tanto, esse texto se propõe a uma breve análise do projeto político/religioso desenvolvido pala IURD desde sua criação, a intolerância religiosa com as matrizes afro-brasileiras e os conflitos que gera na sociedade civil.

A IURD e o neopentecostalismo

O pentecostalismo tem sua origem no Brasil no início do século XX, com a vinda do missionário Louis Francescon. Nesse primeiro momento, de 1910 a 1950,  contou com a implantação da doutrina por todo o país a caracterizando como anticatólica (ênfase na crença do batismo pelo Espírito Santo), ascética (refreia os prazeres mundanos em defesa da plenitude da vida moral e espiritual) e sectária (seguidora de uma seita com apego exagerado a um ponto de vista, intolerante).
Nas décadas de 50 e 60, o movimento religioso entra em seu segundo momento, expande a base de suas igrejas, amplia a doutrina na aceitação do dom da “cura divina”, no proselitismo (empenho de converter uma ou várias pessoas a uma determinada ideia e/ou religião) e na conversão em massa.
Na década subsequente novos contornos são incorporados, com a criação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em 1977, no Rio de Janeiro, sob liderança de Edir Macedo, personagem autointitulado “bispo” da organização religiosa. Tal movimento denominou-se de neopentecostalismo, apresentando como características fundamentais a utilização da mídia (eletrônica, impressa e editorial), técnicas de administração empresarial (marketing, planejamento estatístico, análise de resultados etc.), a prática da Teologia da Prosperidade, o abrandamento no ascetismo e a centralidade na batalha espiritual contra outras denominações religiosas, como as de origem afro-brasileiras e o espiritismo.
Desse modo, tem como fundamento doutrinário a eliminação do demônio no mundo, enxergando nas demais religiões o seu pequeno engajamento na atividade ou até mesmo o campo para atuação demoníaca. Assim vários serão os pontos de contraposição criados pelo neopentecostalismo para o combate das religiões africanas: 1) projeção no panteão afro com a imagem do demônio; 2) libertação pelo sangue de Jesus em oposição às oferendas; 3) Libertação religiosa por meio da conversão e 4) Batalha espiritual para expulsão demoníaca supostamente advinda dos cultos afros.
Nota-se que desde a criação da IURD diversas matérias impressas e posteriormente programas televisivos intensificaram a guerra santa contra toda obra das religiões afro-brasileiras, destacando a publicação de Edir Macedo: Orixás, caboclos e guias. Deuses ou demônios? de 1988, que ataca contundentemente essas doutrinas religiosas, além de expor diversos cultos para julgá-las como demoníaca.
Mas, a perseguição não se dará apenas em seu discurso e propaganda, sim, e principalmente, em sua prática, com invasões a terreiros visando à destruição de altares, a quebra de imagens, exorcismo de frequentadores, agressões físicas, sequestro de membros, passeatas, expulsão de religiosos de seus bairros, ataque a festas e a membros caracterizados com vestes religiosas (turbantes e roupas de santo), como ocorridos no Centro Espírita Irmãos Frei da Luz (RJ), na Tenda Espírita Antônio de Angola (RJ) e em diversos terreiros soteropolitanos, recifenses e maranhenses.
A intolerância religiosa atinge, inclusive, contornos políticos. Recentemente com a inclusão da temática “História e Cultura Afro-brasileira” alguns evangélicos neopentecostais protestaram contra a aplicação pedagógica do tema, como no caso da coordenadora pedagógica de Berfold Roxo (RJ) e do vereador Antônio Urbano da Silva, que denominou a obra de “livro do demônio”.
Com a crescente participação de pastores neopentecostais na política sua intervenção e perseguição ampliam-se. Atualmente a bancada evangélica corresponde a um terço do Congresso Nacional, sendo que apenas o PRB (Partido Republicano Brasileiro), partido criado em 2003 por membros da IURD, possui 1 senador, 32 deputados estaduais, 21 deputados federais, 1 ministério (esporte – George Hilton) e 1174 vereadores por todo o país. Deste modo, amparam sua intolerância religiosa na manipulação política e influência que exercem sobre a sociedade.
Se o cenário apresenta-se de modo ofensivo e ostensivo em relação às religiões de matriz afro-brasileira até meados de 2010, a criação do projeto “Gladiadores do Altar” amplia as atenções sobre as intenções do grupo criado.

Força Jovem Universal e os Gladiadores do Altar.

O grupo “Gladiadores do Altar” se insere em um projeto mais amplo denominado Força Jovem Universal, (FJU) da Igreja Universal do Reino de Deus, que visa alcançar a juventude por meio de atividades culturais, sociais, educacionais, esportivas e espirituais, todas amplamente veiculadas por seus meios midiáticos.
Criado no início de 2015, o grupo aparente de milícia paramilitar preocupa as religiões afro-brasileiras que temem o aumento dos casos de intolerância religiosa no país, afinal o cerne da teoria pentecostal está na ideia de uma “guerra invisível”.
Assim, ao observarmos o grupo destaca-se sua ornamentação militar, desde a indumentária, performances, símbolos e discurso. O logotipo criado pelos “G.A” se insere sobre uma espada e escudo, símbolo dos escravos lutadores na Roma Antiga que duelavam até a morte ou o desarmamento de seu inimigo. Suas vestes assemelham-se aos dos exércitos contemporâneos, com exceção das botas. As marchas, a continência e palavras de ordem são constantes nas exposições, principalmente referenciando “O Altar” como objeto de conquista e a situação de estarem “prontos para a batalha”. Se na linguagem verifica-se a temática da guerra, a prática induz ao mesmo objetivo.
Além dos diversos elementos alusivos, o fanatismo religioso fica explícito assemelhando-se a exércitos fundamentalistas que ao homogeneizarem seus pensamentos combatem o “mal” e seu “inimigo”. E nos resta a dúvida de quem será o alvo do devido grupo.
Sendo assim, em 23 de março, representantes do candomblé e da umbanda entregaram ao Ministério Público Federal, em 26 estados, um pedido de abertura de inquérito civil para investigar possíveis casos de intolerância religiosa. O Ministério Público Federal anunciou que vai instaurar inquérito civil com base na representação contra a intolerância religiosa protocolada por representantes de religiões de matriz africana.

A charge e a IURD

A charge criada por Victor Teixeira é uma crítica aos Gladiadores do Altar. No desenho um homem com capacete de gladiador e uma camiseta com o símbolo da Universal enfia uma espada em uma mãe de santo, sua escolha deve-se ao tratamento que a igreja dá às religiões de matriz africana. Em suas palavras:
“Minha intenção foi denunciar uma empresa que, a meu ver, está endossando a criação de uma suposta milícia. E não sou apenas eu que acho isso, tanto que o assunto foi levado ao Ministério Público. Estou debatendo a iniciativa de uma empresa, com sede internacional, com um poderoso grupo de mídia por trás de si e com uma assessoria jurídica que usou todo seu poder contra um cartunista independente. Eles dizem que não irão me processar porque retirei a charge ‘voluntariamente’, mas que opção eu tinha?”
Destaca-se que a assessoria jurídica da Igreja Universal do Reino de Deus pressionou extrajudicialmente o cartunista a retirar de sua página no Facebook a charge que, segundo a IURD incita a intolerância religiosa. Mesmo com a retirada “voluntária”, a IURD decidiu pedir a retirada da sua página do ar. Além do temor criado pelo grupo paramilitar, o grupo religioso ainda cerceia as liberdades individuais daqueles que criticam seu projeto político/religioso e desrespeita a própria Constituição Federal que prevê a liberdade religiosa, a liberdade de expressão e, principalmente, a criação de um Estado Laico.

Conclusões

Torna-se de extrema importância observar o movimento pentecostal e seus seguidores, que nas últimas décadas passaram de 10,4% em 2000 para aproximadamente 15,2% em 2015. Nessa perspectiva a IURD com seu projeto político/religioso objetiva legitimar-se no poder, instaurar a ordem e até mesmo projetar-se enquanto uma entidade imperialista que aos poucos vem expandindo sua sede pela América Latina e África. Em contraposição, as religiões afro-brasileiras que historicamente foram perseguidas pela Igreja Católica e posteriormente pelo Estado Republicano, desenvolvem seu caráter revolucionário, de resistência e consequentemente capaz de sublevação.
Simultaneamente observa-se a formação de uma milícia “fascista”, amparada por amplo poder político que aos poucos se fortalece e nos remete a grupos (camisas negras,  SS, camisas prateadas, entre outros) que se voltaram contra os trabalhadores e suas organizações e não apenas contra sua religiosidade. Para tal, é necessário reforçar o caráter laico do Estado brasileiro, a importância da liberdade e da tolerância religiosa.