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Mulher trabalhadora, ou seja, guerreira


3 de janeiro de 2009

Tuca Fontes

Iraci Lacerda

O grau de exploração de um pequeno grupo social sobre a grande massa da população mundial, composta por trabalhadores, assumiu proporções incríveis ao longo do século XX. Isso mostra-nos que Marx já estava correto no século XIX ao afirmar em sua análise histórica do capitalismo que livre concorrência gera concentração da produção que, por sua vez, ao atingir certo nível de desenvolvimento, leva ao monopólio. Esta situação gera aumento do lucro de poucas grandes empresas sob aniquilação de muitas pequenas empresas.

Sabemos que a história dos homens é construída através das ações práticas dos indivíduos num quadro econômico e social que, final do século XX e começo do XXI, era de extrema desigualdade social e opressão efetiva da minoria sobre a maioria. Para as mulheres tal opressão se concretiza de modo especialmente cruel, já que recai sobre elas um incontável número de atribuições e funções sociais cuja face, muitas vezes, é assustadora.

Tal como na Inglaterra do período da Revolução Industrial, atualmente, em várias partes do globo, mulheres são mortas e/ou violentadas aos milhares para que o capitalismo continue sendo cada vez mais o que é, ou seja, um sistema no qual a produção de mercadorias atinge um desenvolvimento tão elevado que a própria força de trabalho, as pessoas, portanto, se tornam mercadorias, conforme analisa Lênin em O Imperialismo, fase superior do capitalismo.

Há uma herança histórica que se perpetua no que se refere à exploração por gênero. Em todas as regiões do planeta há situações que chamam a atenção para a situação das mulheres perante o caos social engendrado pelo capitalismo.

Na fronteira do México com os Estados Unidos a exploração sobre as mulheres é atualmente um nervo exposto. Os acordos de livre comércio abriram irrestritamente as portas do México às multinacionais estadunidenses, que em sua insaciável busca pelo lucro, as empregam em suas linhas de produção pagando uma miséria de salário. Para essas mulheres predominantemente jovens, oriundas de famílias cuja terra foi extorquida pelo governo, o trabalho semi-escravo nas fábricas é a única chance de não morrerem de fome. Nessas cidades fronteiriças, como Juarez, há milhares de casos de estupros e assassinatos de mulheres operárias, fato que ambos os governos insistem em tentar manter escondido, tudo para não comprometer o bom desempenho financeiro dessas corporações sujas e parasitárias. Nessa região a alienação do trabalho atingiu níveis tão pitorescos que é impossível para aquelas pessoas enxergarem saída. Não há nenhum tipo de proteção às mulheres trabalhadoras e os casos de assassinatos de mulheres são investigados pelas próprias mães das vítimas, pois se não for assim os desaparecimentos nem são registrados.

O chamado tráfico de pessoas é outro exemplo. Mulheres e crianças, predominantemente, são comercializadas para exploração sexual em todas as regiões do planeta. São milhares de brasileiras prostituindo-se em países estrangeiros, sendo que há um número irrisório de condenações de traficantes de pessoas.

Seja em canaviais brasileiros, em fábricas mexicanas, em periferias nicaragüenses, porto-riquenhas, asiáticas, africanas, no leste europeu ou nos bordéis da Europa e Estados Unidos, as mulheres são sempre a linha de frente dessa face mais cruel e desumanizadora do sistema capitalista.

No Brasil, nos deparamos claramente com a impossibilidade deste sistema resolver os seus graves problemas através de suas instituições.

A Lei Maria da Penha que deveria reduzir a violência contra a mulher a aumentou. Segundo matéria publicada no Estado de São Paulo, de 28/05/07, o número de denúncias por lesão corporal caiu em 18,8%. Este fato, atribuído à impossibilidade da mulher retirar a denúncia e ao risco de ter de pagar a fiança do próprio bolso, demonstra que continua recaindo sobre a mulher o ônus de ter sido agredida.

O Estado burguês, que não consegue esconder instituições machistas e autoritárias, apresenta-nos a todo o momento casos como o do juiz de Minas Gerais/Sete Lagoas, contrário a Lei Maria da Penha por tornar o homem um tolo (Folha de São Paulo, 21/10/07); como o da menina estuprada sistematicamente numa prisão do Pará/Abaetetuba; ou até mesmo o caso da campanha da fraternidade da CNBB/2008 que prega a vida negando a morte de milhares de mulheres por aborto clandestino.

Estes casos de violência contra a mulher evidenciam a mulher da classe trabalhadora. O caso da menina de Abaetetuba é um exemplo disso. A delegada, a juíza e a governadora do PT Ana Júlia, autoridades envolvidas no caso e responsáveis pela situação do sistema carcerário no estado, demarcam claramente uma fronteira existente entre nós trabalhadoras e as mulheres dispostas a manter o sistema opressor de exploração capitalista.

Há, contudo, na história, processos de resistência contra tal opressão que contaram com personagens femininas louváveis, sem as quais a situação das mulheres trabalhadoras e da classe operaria em geral, seria muito mais grave. A histórica luta no campo pelo direito de trabalhar na terra tem sido um fértil terreno para o surgimento de lideranças femininas cuja importância extrapola tal instância, refletindo a própria luta de classes da sociedade.

Nesse sentido é que Margarida Maria Alves, uma paraibana de Alagoa Grande, que nasceu no dia 5 de agosto de 1943, representa a força e o gigantismo das mulheres contra esse sistema que oprime a classe trabalhadora de modo fenomenal. Ela foi a primeira mulher eleita presidente de sindicato rural no estado da Paraíba, função que ocupou por 12 anos, nos quais travou uma guerra contra o poder do latifúndio nordestino, sempre a favor da implantação de um modelo de desenvolvimento rural e urbano que privilegiasse a agricultura familiar. Em seus anos de luta à frente do sindicato foram movidas cerca de 600 ações trabalhistas contra usineiros e coronéis de engenho, sendo todas vitoriosas para o trabalhador rural.

Margarida Maria Alves, como tantas outras lideranças femininas, lutou arduamente pelos direitos dos trabalhadores rurais, pelo décimo terceiro salário, registro em carteira, por redução da jornada de trabalho para 8 horas, por férias obrigatórias remuneradas, enfim, pelos direitos básicos humanos de alimentação e moradia. Diante das constantes ameaças e intimidações que sofria, fazia questão de torná-las públicas, respondendo-as com firmeza e coragem. Essa guerreira da luta campesina brasileira foi assassinada na frente de sua casa, com tiros no rosto, no dia 12 de agosto de 1983, aos 40 anos, por pistoleiros a mando do latifundiário José Buarque Gusmão Neto, absolvido pelo Tribunal de Justiça de João Pessoa.

Só a luta da mulher trabalhadora é capaz de mudar a situação da mulher. Só a luta unitária de homens e mulheres da classe trabalhadora é capaz de construir uma sociedade justa e humana.

LENIN, V. O imperialismo, fase superior do capitalismo. São Paulo: Global editora, coleção bases, 1979.