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Diplomacia e guerra: dois instrumentos de dominação do imperialismo


11 de abril de 2009

 

Desgaste dos estados unidos e competição imperialista

Os anos 2000 apresentaram uma novidade em relação aos anos 90: o neoliberalismo começa a perder sua força política. Os povos do mundo logo fizeram a experiência com essa política ditada por Washington e Londres e a rejeitaram, protagonizando mobilizações importantes como na Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela e outros tantos países. Junto com essa perda de legitimidade do neoliberalismo, os Estados Unidos também perderam espaço no mundo com inúmeras manifestações de rechaço à sua política.

A perda de legitimidade do imperialismo estadunidense no mundo foi um fator importante que dificultou a implementação do projeto de dominação. Foram inúmeras dificuldades: América Latina com sucessivas rebeliões, Oriente Médio com uma feroz resistência à invasão tanto no Iraque como no Afeganistão e a rebelião dos Palestinos. Internamente, o imperialismo estadunidense também enfrentou resistências importantes que foram massificadas com a crise econômica.

O desgaste do governo Bush e a invasão a países como Iraque e Afeganistão só fizeram aumentar a oposição dos povos ao imperialismo estadunidense. Esse processo, em conjunto com as mobilizações de massas dos trabalhadores, sobretudo no continente americano, impôs limites para a política de Washington. É neste contexto que a eleição de Obama se explica: os Estados Unidos precisam mudar a sua aparência perante o mundo e se apresentar com um novo governo para recuperar o prestígio e conseguir impor sua política de dominação. A maneira de enfrentar o anti-estadunidismo é se colocar como algo novo e simular que houve mudança na política.

A atual crise econômica e a tendência à depressão também têm colocado graves problemas para as economias imperialistas, pois o seu mercado interno não é suficiente para o escoamento da produção, o que obriga cada um desses países a buscar uma maior presença no mercado mundial. Essa presença precisa ser garantida ou pelas vias diplomáticas ou pelas vias militares.

A crise de superprodução expressa uma contradição básica do capitalismo, que é o fato da capacidade de produção gerar um montante de mercadorias muito superior ao que pode ser consumido. O alto desenvolvimento de técnicas de produção faz com que esse problema se agrave, pois pode se produzir muito mais do que em qualquer outro tempo. É isso que basicamente ocorre na atual crise econômica, há uma restrição no mercado mundial.

Como um conjunto de países centrais tem uma enorme capacidade produtiva e o mercado mundial tem limites físicos (geográficos) e político-econômicos, inicia-se uma feroz competição entre os países imperialistas para ter o controle do comércio mundial. Essa competição é uma das chaves da situação política que a crise econômica fez emergir: os países imperialistas precisam (pelas leis do capitalismo) acelerar a competição e dominar a maior parte possível do comércio mundial.

A competição entre as grandes potências pode resultar em luta direta por mercados, como ocorreu nas duas guerras mundiais. Essas duas guerras não foram outra coisa senão uma disputa pela partilha do mundo, ou seja, aos vencedores caberia a maior fatia do mercado. A guerra em si torna-se também uma das soluções para a superação da crise no capitalismo, pois a destruição massiva de forças produtivas cria novas possibilidades para o mercado capitalista. Ao contrário do que dizem os analistas burgueses, a solução da crise de 1929 não ocorreu pelo new deal estadunidense ou qualquer outra política, mas sim pelo resultado da Segunda Guerra Mundial, que abriu imensas possibilidades para o capitalismo. Ou seja, a “era de ouro” do capitalismo dos anos 50 e 60 se deu às custas da morte de milhões de seres humanos.

Estados unidos se preparam para a competição

Nenhuma classe social é homogênea, há distintas frações em seu interior. A burguesia se divide como industrial, comercial, financeira e no interior de cada uma delas há outros setores e também outros interesses. No interior da burguesia industrial há, por exemplo, o setor ligado à indústria armamentista. Entre a burguesia de um país e de outro também há interesses distintos.

Nos momentos em que há uma certa estabilidade, esses diversos setores conseguem fazer uma partilha e amenizar as contradições, ou seja, mantém uma certa unidade. No entanto, quando há uma crise essa unidade fica mais instável e surgem as disputas em que um setor precisa derrotar o outro para sobreviver. Essa disputa ocorre, por exemplo, entre a burguesia industrial e financeira ou ainda entre empresas que produzem o mesmo tipo de produto, como eletrodomésticos. Nessas disputas a insanidade da burguesia se revela. A lógica de sobrevivência da burguesia ameaça o mundo.

A essa disputa soma-se outra questão, que é o aumento da capacidade de produção. É preciso criar um mercado consumidor que seja compatível com o volume de produção. Com a crise econômica em curso – não há ninguém que não reconheça que ela é profunda e muito próxima daquela registrada na década de 20/30 – a disputa entre os diversos setores da burguesia torna-se mais intensa.

É no contexto dessa profunda crise econômica que precisamos compreender o significado da política internacional dos Estados Unidos, sob o governo Obama. Os Estados Unidos sabem que precisarão usar nessa disputa as ações da diplomacia e a pressão sobre diversos governos para conseguir acordos que garantam livre acesso para o capital estadunidense.

E essa crise, pela sua profundidade, já colocou em movimento todos os países na disputa por novos mercados. O desgaste que os Estados Unidos sofreram na América Latina e no mundo fez com que perdessem espaço e se abrisse a oportunidade para outras potências imperialistas. A França e a Rússia, por exemplo, já realizaram importantes acordos comercias na América Latina, tradicional “reduto dos Estados Unidos”. Não é uma disputa que está começando, pois a invasão do Iraque e do Afeganistão na verdade já é parte dessa disputa pela ampliação dos mercados. Com o agravamento da crise o controle sobre matérias-primas como petróleo e gás são fundamentais para reduzir custos e melhorar a posição na disputa.

Já temos discutido com bastante insistência o fato de que a crise estrutural do capital é um elemento fundamental nessa competição imperialista, porque cada saída que o capital apresenta para a crise trás em si limites e novas contradições insolúveis. Uma solução em longo prazo para o imperialismo só é possível com uma guerra que destrua as forças produtivas, condição para um novo “boom” do capitalismo. Manifesta-se o caráter destrutivo do capitalismo, que para continuar existindo tem que matar milhões de pessoas.

Com qual política

As armas e formas de disputa sempre são uma questão em aberto, pois dependem essencialmente da correlação de forças entre esses setores da burguesia mundial e também entre o proletariado e a burguesia. Uma guerra, ainda mais quando envolve vários países, sempre é um risco para o capitalismo (ainda que se chegue a algum momento em que, na lógica capitalista, isso se torne impossível), pois há um desgaste do regime e o perigo de que o proletariado, como ocorreu na Rússia em 1917, a transforme em uma revolução socialista.

É por isso que, geralmente, o primeiro instrumento de pressão são as gestões diplomáticas, com todo tipo de pressão política e econômica (como imposição de cotas de importação, aumento de impostos para determinados produtos, etc), mas sempre visando impor o projeto de controle do país alvo. Nesse momento, o governo Obama tem utilizado muito esse instrumento, mas, repetimos, buscando por essas vias concretizar seus interesses. Isso não quer dizer que a via militar tenha sido abandonada, pelo contrário, ela é cada vez mais uma possibilidade. A diplomacia é uma política que se combina com a ação militar. O caráter militar é na verdade a característica central do imperialismo, ou seja, não há imperialismo sem poderio militar. Nas ações diplomáticas já está representado de maneira subliminar o poderio militar de cada país.

Na década de 30, portanto no período da depressão econômica, em um momento em que a Alemanha fazia uma forte ofensiva comercial para a região, os Estados Unidos lançaram para a América Latina a “política da boa vizinhança”, que consistia em ter como centro de suas relações com os países do continente americano as negociações diplomáticas. Ao contrário do discurso do governo estadunidense, essa política não representava uma mudança no conteúdo, mas tão somente na forma em que foram adotadas novas armas e novos mecanismos de pressão. O caso mais famoso foi a imposição de cotas de importação para o açúcar cubano, que era a única fonte de renda de Cuba e tinha os Estados Unidos como o principal cliente. Também se destaca o fato de que, quando a diplomacia não era suficiente para garantir a dominação, a tática militar entrava em ação, como foi a invasão da República Dominicana, e mais tarde da Baia dos Porcos em Cuba, assim como as dezenas de golpes militares que foram patrocinados pelos Estados Unidos.

Outro elemento que contesta a versão de que o novo governo estadunidense dá mais destaque para a diplomacia é a presença de forças militares de ocupação no Iraque e Afeganistão e sucessivos ataques militares a várias regiões do Paquistão. A promessa de redução de parte do contingente militar no Iraque não muda essa caracterização. Em primeiro lugar porque, pela ação militar, conseguiuse constituir no Iraque um governo extremamente servil aos Estados Unidos. E segundo, no Afeganistão houve aumento do efetivo militar. O recente anúncio de que os Estados Unidos vão priorizar a ação política em relação ao Irã é outra balela, pois a simples presença de milhares de soldados nas fronteiras é na prática um elemento que desequilibra qualquer negociação.

Esses são apenas alguns dos elementos que comprovam que a diplomacia é apenas uma (e não a mais importante) das táticas utilizadas e que o aparato militar é elemento fundamental na política do governo Obama. A própria proposta de negociação com o Irã é mais uma jogada, pois como pode haver negociações com a presença de tanques, mísseis e milhares de soldados na fronteira?

O importante é compreendermos que a diplomacia na política dos Estados Unidos está a serviço de uma política de dominação do mundo e não de “formas respeitosas” de relação com outros países. As conferências entre Estados, as reuniões, os tratados, enfim toda a política da diplomacia dos Estados Unidos tem um objetivo muito bem definido que é submeter outros países aos seus interesses.

Não pode restar nenhuma dúvida para os trabalhadores de que a principal política do governo Obama, assim como foi de Bush, é a política belicista. A diplomacia é parte dessa política de expansão dos seus domínios, é um complemento da força bélica.

O poder militar dos estados imperialistas

Não é possível falar de Estados imperialistas sem falar de poder bélico. Toda crise provoca um acirramento na disputa pelo mercado mundial, em que o avanço de um significa que o outro tem que recuar. Daí a importância do poder bélico, que é, em última instância, o que decide a correlação de forças em nível mundial.

Nenhuma crise do capital, ainda mais as parecidas com a atual, é resolvida no âmbito da política ou da economia, instrumentos que permitem no máximo adiá-las. Uma característica do conceito de crise estrutural é que sua solução (ainda que pela própria lógica do capital outras crises sempre virão) passa por impor uma derrota histórica ao proletariado mundial, submetendo-o a um regime de trabalho baseado na superexploração em escala mundial. Essa correlação de forças só pode ser alcançada com uma guerra generalizada.

O poder e o forte armamento dos Estados imperialistas visam assim pelo menos três objetivos, que são a manutenção de seu poder na relação com outros Estados, o controle do proletariado e a preparação para possíveis conflitos armados, que são fatos comuns na sociedade capitalista. As disputas políticas e econômicas não raro se resolvem militarmente. Assim, a indústria militar passa a ter nesses países um papel central também na esfera da política.

A relação dos governos com a indústria de armas é tanto econômica como política. É econômica porque são os Estados – que detém o monopólio das armas – que sustentam esse ramo da indústria capitalista. E é política porque a indústria de armas é quem muitas vezes impõe posições belicistas aos Estados. Para se ter idéia da relação orgânica entre Estado e indústria bélica, nos Estados Unidos o Pentágono tem escritório permanente dentro das empresas bélicas, ou seja, funcionários do Estado trabalham dentro das empresas. Também é comum que oficiais de alta patente das forças armadas, quando se aposentam, passem a ocupar postos de direção nas empresas bélicas.

Nessa perspectiva, os Estados têm verdadeiros arsenais de destruição, capazes de jogar pelos ares cada grão de areia que existe no mundo. Na economia capitalista a produção só se efetiva se houver consumo, e como o consumo de armas depende de guerras, torna-se fundamental para a sobrevivência econômica dessa indústria a existência de guerras.

O poder militar dos Estados Unidos

Como sempre o discurso é um e a prática é outra. Os dados desmentem facilmente o discurso mentiroso de Obama. Os países imperialistas, em especial os Estados Unidos, são verdadeiras máquinas de guerra. O anúncio do orçamento dos Estados Unidos para o ano fiscal de 2010 (que se inicia em outubro) é uma demonstração cabal, uma vez que destina nada menos do que 664 bilhões de dólares para os gastos militares.

O exército dos Estados Unidos é formado por cerca de três milhões de homens e mulheres, o que representa 1,5% da população dos EUA. Segundo o jornal Brasil de Fato, os Estados Unidos possuem 725 bases militares espalhadas pelo mundo e por volta de 500 mil soldados servindo fora de suas fronteiras, sem falar nos que estão no Iraque e no Afeganistão. As despesas militares passaram de 345 bilhões de dólares em 2001 para 528,7 bilhões em 2006, e agora os recém-anunciados 664 bilhões. Os gastos militares desse país são tão gigantescos que correspondem a 45% de todos os gastos militares do mundo.

Por trás dessa política de Estado (que já é condenável) estão as bilionárias empresas da indústria bélica. Das dez empresas líderes do setor no mundo, seis são estadunidenses. São cerca de 3% do PIB destinados para a defesa. Após a invasão do Iraque e Afeganistão, empresas como Am General, Armor Holdings e Oshkosh Truck, que fornecem veículos militares, aumentaram seus faturamentos em 40%. O controle das empresas é tamanho que várias áreas das forças armadas foram privatizadas, como a administração dos quartéis, sua segurança, abastecimento, etc. Isso sem falar na investidura de funções militares para as milícias. O seu poder não é só econômico, é sobretudo político, com influência em cargos importantes na hierarquia de decisões de Estado.

Com esses dados é possível destacar duas questões fundamentais: a primeira é que a política belicista não é deste ou daquele governo, mas é uma política de Estado e isso significa que Obama vai continuar com a política belicista de Bush. O diferencial é que no governo Obama a diplomacia ganha mais peso, mas como já dissemos, não substitui, e sim reforça a ação militar sobre os povos do mundo. A segunda questão é que esse mesmo Estado está sob controle das empresas do setor de armas e conseqüentemente todas as decisões dos governantes atendem a esses interesses.